Para quem ainda se pergunta pra onde vai o gigante que
acordou, o Brasil, minha contribuição vai caminhar pela ponta de um dos
icebergs nesse imenso mar de complexidade, onde se pode mergulhar(frequentemente
com muito espanto e terror) na pesquisa da cultura que se desenvolveu nos
últimos quinhentos anos na “Hy Brazil”. (CANTARINO, 2004)
A ponta por mim escolhida: o Amarildo e seu sumiço. Longe de
ser apenas um caso local, vislumbra as
bases éticas em que a sociedade brasileira parece se assentar atualmente, se
reconstruindo a partir da meteórica, momentânea e historicamente cíclica prosperidade
econômica.
O texto do jovem Luiz Antonio Ribeiro (2013) , poeta de 28 anos, ilustra
a necessidade de repensarmos como queremos uma sociedade sustentável, consciente,
participativa e atuante política e socialmente.
Mais além: como percebemos e
vivenciamos o significado da palavra sociedade.
“Precisamos saber o
que se passa nessa forma de governar em que jovens de classe média levam bala
de borracha e moradores de favela levam tiros de fuzil.“
Pois é Luiz, precisamos saber ou admitir o que já
incorporamos como inquestionável e intocável ética, baseada na lógica da
diferença, que emerge da temeridade decorrente da 'coisificação' do humano?
Por lógica da diferença entende-se a necessidade quase obsessiva
dos brasileiros em serem tratados como nobres e superiores mediante seus pares.
Os especialistas de marketing conhecem bem os comportamentos decorrentes dessa
lógica e a exploram como ninguém quando da criação do valor agregado nos
produtos e principalmente nos serviços.
O medo crônico e latente da ‘coisificação’ (MARX, 2003) -brilhantemente
demonstrada nos Manuscritos de Paris- do significado de ser dentro da sociedade
brasileira é dissecado e estudado, há anos, pelos filósofos e sociólogos de plantão na
extenuante reflexão sobre como as dinâmicas sociais constroem o caleidoscópico
e anárquico véu de contradição inerente nas esferas políticas e econômicas desse
país.
Uma monografia muito interessante de sociologia, “Trabalho Informal, Sofrimento e alienação noséculo XXI – o trabalho nas ruas de Salvador” de Bruno José Rodrigues Durães, nos
dá um excelente embasamento teórico para esse incólume pavor sombreado e alienante.
Vale à pena ler e refletir.
A
ética decorrente desses fatores (o medo e a lógica da distinção) contém em si valores
que se associam a significados peculiares. Analisemos a imagem que circulou nas
redes sociais essa semana, excelente percepção, diga-se de passagem. Você acha reducionista e
exagerada? Talvez, mas depende de onde e quais pontos você considera para entender
sua profundidade e contribuição para sabermos, por exemplo, “onde está o Amarildo”....
Pontos que
devemos levantar pesquisar e considerar cujas decorrências estão expressas
nesse quadro:
- Nossa
herança cultural de uma sociedade colonial, trezentos anos constituída economicamente
com mão-de-obra escrava, sob os efeitos telúricos de uma lei medieval de
D.Diniz I(1261-1325) que proibia que o trabalho braçal fosse executado pela
nobreza sob pena de marginalização social. (HERCULANO, 1998)
- As
históricas bases da formação militar do Brasil Colonial. (MELLO, 2009)
- As bases antropológicas
da formação do povo brasileiro e outras tantas pérolas culturais refletidas de modo irreverente no filme "Quanto vale ou é por quilo?".
Quem
sabe, depois de todo esse trabalho, quiçá entendamos a crise, o quadro, o
sumiço do Amarildo, nossa indiferença e engulamos a nossa risada ao ver, pela
primeira vez, essa imagem. Talvez sob o domínio da lágrima e do pesar
resultantes de nossa tomada de consciência, reflitamos com mais comprometimento, sobre o momento crucial em que nos
confrontamos enquanto sociedade do "conhecimento".
Talvez, despidos de nossa conveniente e eleita alienação, possamos reinventar nosso cotidiano
social, reestruturando os valores e construindo uma ética com princípios mais humanos, mais
sustentáveis, mais solidários, mais honrados e coerentes. Talvez esse seja o real caminho da libertação dos grilhões de séculos de medo existencial.
A fim de deixarmos de representar os piores aspectos de sermos a contemporaneidade dos milênios enquanto povo, agora acordados e sedentos por mudanças, possamos caminhar juntos como componentes sinérgicos de um gigante mitológico que precisa se encontrar, se educar e crescer. Talvez ao final da estrada encontraremos não só os Amarildos para um abraço, mas também a inefável felicidade de sermos 'apenas' humanos despojados de nossos títulos nobres e de nossa mentecapta arrogância. Talvez, quem sabe?
Referências Bibliográficas
CANTARINO Geraldo Uma ilha chamada Brasil: o paraíso irlandês no passado brasileiro
[Livro]. - Rio de Janeiro : Mauad, 2004.
HERCULANO Alexandre Historia de Portugal, volume 3 [Livro]. -
Barcarena : Editoral Presença, 1998.
MARX Karl O trabalho alienado, primeiro manuscrito
[Livro]. - São Paulo : Ed. Martin Claret, 2003.
MELLO Christiane
Figueiredo Pagano de Forças Militares
no Brasil Colonial: Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do
século XVIII [Livro]. - Rio de Janeiro : E-Papers, 2009.